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São Paulo
26/11/201606h56 > Atualizada 26/11/201615h45
O ex-presidente de Cuba Fidel Castro morreu aos
90 anos de idade, informou neste sábado (26) seu irmão, o atual mandatário do
país, Raúl Castro, em um discurso transmitido pela televisão estatal.
O líder histórico da Revolução Cubana faleceu na
noite de sexta-feira (25), às 22h29 (hora local), e seu corpo será cremado
"atendendo sua vontade expressa", explicou Raúl Castro, visivelmente
emocionado. Ele não fez comentários sobre a causa da morte do irmão, ainda
desconhecida.
O presidente cubano afirmou que, nas próximas
horas, será anunciado como acontecerá o funeral de Fidel Castro, que foi visto
pela última vez no último dia 15, quando recebeu em sua residência o presidente
do Vietnã, Tran Dai Quang.
PRESIDENTE
DE CUBA ANUNCIA MORTE DE FIDEL CASTRO
90 anos de trajetória
Ao
longo de seus 90 anos, Fidel Castro se transformou em indiscutível e
controverso protagonista do último século. Em 2011, o líder da Revolução Cubana
admitiu que nunca pensou que viveria "tantos anos" e em abril deste
ano pareceu se despedir: "Em breve serei como todos os outros. A vez chega
para todos".
Fidel
tinha 32 anos quando entrou triunfante em Havana. Era 1959, usava barba e
uniforme e vinha da derrota de um exército de 80.000 homens contra uma
guerrilha que em seu pior momento contou com 12 homens e sete fuzis. Sem
passado militar, Fidel Castro expulsou do poder o general e ditador Fulgêncio
Batista, na luta que começou com o fracasso da tomada do quartel Moncada, em
1953.
Fidel
aplicou uma "doutrina militar própria" e conseguiu "transformar
uma guerrilha em um poder paralelo, formado por guerrilheiros, organizações
clandestinas e populares", disse Alí Rodríguez, ex-guerrilheiro e atual
embaixador venezuelano em Cuba.
O
líder cubano derrotou conspirações apoiadas pelos EUA e enviou 386.000
concidadãos para lutar em Angola, Etiópia, Congo, Argélia e Síria. Ao longo de
40 anos (1958-2000) escapou de 634 tentativas de assassinato, escreveu Fabián
Escalante, ex-chefe de inteligência cubano, segundo o veículo de informação
alternativa Cubadebate.
Ao
jornalista Ignacio Ramonet, Fidel confessou que quase sempre carregava uma
pistola Browning de 15 tiros. "Oxalá todos morrêssemos de morte natural,
não queremos que se adiante nem um segundo a hora da morte", declarou em
1991.
'Efeito Fidel'
"Fiquei
tão impressionada! Não pude fazer mais que olhar no rosto dele e dizer: te
amo". Mercedes González, uma cubana de 59 anos, só viu de perto por duas
vezes o líder cubano, mas não resistiu ao "efeito" Fidel.
Seja
pelo aspecto rude de guerrilheiro ou seus discursos quilométricos - a maioria
espontâneos porque ele gostava do "nascimento das ideias", segundo
Salomón Susi, autor do Dicionário de Pensamentos de Fidel Castro -, Fidel
fascinava também as massas, as mulheres, os políticos e os artistas.
"Ele
projeta uma imagem pública muito atraente", um dom que também "faz
parte de sua lenda", diz Susi. Já longe do poder, Fidel publicou reflexões
sobre diversos temas. Apesar disso, o grande sedutor mantém a portas fechadas
sua vida privada (dois casamentos e sete filhos com três mulheres é a única
coisa que se conhece).
"A
vida privada, na minha opinião, não deve ser instrumento da publicidade, nem da
política", sentenciou em 1992.
Amado
e odiado
"É
o homem dos 'E's: ególatra, egoísta e egocêntrico". Assim Fidel Castro é
definido pela dissidente Martha Beatriz Roque, 71. Quem se opôs, acrescenta,
enfrentou uma tripla resposta: "a prisão, os espancamentos e os protestos
de repúdio".
Fidel
desafiou dez presidentes dos Estados Unidos antes que seu irmão Raúl, que o
sucedeu no poder, decidisse restabelecer relações diplomáticas com seu
adversário da Guerra Fria no fim de 2014, o que Fidel nunca se opôs que
acontecesse.
Fidel
Castro governou com mão de ferro, e durante anos (1990 e 2002) a ilha foi
condenada internacionalmente pela situação de direitos humanos a pedido da
desaparecida Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Em
1959, o governo de fidel condenou a 20 anos de prisão o comandante de Sierra
Maestra, Huber Matos, por insurreição. Na "primavera negra" de 2003
mandou prender 75 dissidentes, incluindo Martha Beatriz Roque, e nesse mesmo
ano foram fuzilados três cubanos que roubaram uma lancha para fugir dos Estados
Unidos.
Fidel
sempre negou os pedidos internacionais para uma abertura política e considerou
os opositores "mercenários". "Eu vou lembrar dele como um
ditador", diz Roque.
Homem que virou mito
Enquanto
proclamava o triunfo da revolução em 1959, várias pombas voaram a seu redor e
uma delas pousou docemente em seu ombro. As pessoas entenderam como um sinal
sobrenatural. O mito marcou a vida de Fidel.
Em
um país onde o cristianismo se mistura aos cultos africanos, os cubanos
atribuíram a Fidel a proteção do orixá Obatalá, o deus pai, o mais poderoso.
Viam-no como um homem inabalável, que tinha solução para tudo, era considerado
quase imortal até adoecer em 2006.
A
figura paternal do "comandante", tão respeitada como temida, é
onipresente. Era visto tanto no meio de um furacão, quanto ensinando a preparar
uma pizza. Se acreditou até que se protegia com um colete à prova de balas.
"Tenho um colete moral, é forte. Esse tem me protegido sempre", disse
aos jornalistas enquanto mostrava o peito durante uma viagem aos Estados Unidos
em 1979.
Fidel
dizia não apreciar o culto à personalidade. Não há estátuas, mas sua imagem se
multiplica na ilha.
Líder
contagiante
Em
2001 Fidel Castro prometeu que traria de volta seus cinco agentes presos pelos
Estados Unidos três anos antes. "Quando Fidel disse 'voltarão', disse ao
povo cubano: vocês os trarão", disse René González, um dos cinco cubanos
libertados por Washington entre 2011 e 2014. González ilustra assim o
poder do ex-mandatário de contagiar com suas ideias, por mais incríveis que
parecessem.
Mas
nem sempre o Quixote caribenho venceu. Após um esforço titânico, não conseguiu,
como tinha proposto, produzir 10 milhões de toneladas de açúcar em 1970. Mas
conseguiu que Cuba derrotasse o analfabetismo em apenas um ano (1961).
Também
se propôs a fazer de Cuba uma "potência médica", quando tinha somente
3.000 médicos no país. Hoje tem cerca de 88.000 especialistas, um para cada 640
habitantes.
Na
ilha, proliferaram os "planos Fidel", experimentos sem sucesso para
criar búfalos, gansos ou transformar Cuba em produtora de queijos de qualidade,
quando ainda tinha um déficit de vacas.
Também
não conseguiu que os Estados Unidos devolvessem o território de Guantánamo,
cedido há um século, mas conseguiu trazer de volta o menino Elián González,
levado clandestinamente em uma embarcação por sua mãe, que morreu na tentativa
de chegar a Miami e cuja custódia provocou uma queda de braço entre Havana e
Washington.
Dez anos longe do poder
Em julho, Fidel Castro completou 10 anos afastado do poder. No dia
31 de julho de 2006, a emissora oficial cubana de televisão anunciou que o
líder da Revolução delegava provisoriamente a chefia de Estado a seu irmão,
Raúl Castro, após ter passado por uma complicada cirurgia.
Após dois anos de rumores e especulações nos quais a saúde de Fidel foi
um segredo de governo, Raúl foi nomeado formalmente presidente do Conselho de
Estado em fevereiro de 2008. Um mês depois de ter chegado ao poder, iniciou as
primeiras reformas econômicas.
Foi uma substituição suave e sem traumas que terminou de se consolidar
em 2011, com a escolha do menor dos Castro como primeiro-secretário do Partido
Comunista. Ao longo dessa década, Cuba deu um giro substancial: sem
perder seus ideais revolucionários e estrutura comunista, o país embarcou em
uma série de reformas econômicas ambiciosas e se reconciliou com seu histórico
inimigo, os Estados Unidos.
Raúl, o artífice da
"atualização socialista", empreendeu uma série de ambiciosas reformas
- lentas demais, para muitos -, como abertura de setores à iniciativa privada,
maiores facilidades ao investimento estrangeiro e o fim de restrições que afetaram
os cubanos por décadas, como as viagens ao exterior ou a compra e venda de
carros e casas.
Na
Cuba de hoje, cerca de 500 mil pessoas são "cuentapropistas", uma
nova classe de empreendedores, microempresários e trabalhadores autônomos que
mudaram o panorama econômico do país com milhares de pequenos negócios, como
restaurantes, cafeterias, hotéis, ginásios e salões de beleza.
A
vida do cubano no período experimentou uma importante mudança com a reforma
migratória de 2013, que permitiu que milhares de moradores da ilha saíssem do
país e, em muitos casos, reconstruíssem famílias até então fragmentadas durante
anos pelo exílio.
A
possibilidade de adquirir um carro, uma casa, entrar em hotéis que antes só
admitiam estrangeiros ou conectar-se à internet - ainda proibido nas casas -
também aliviou parte da pressão no dia a dia.
Contudo,
devido aos baixos salários e às dificuldades vividas por muitas famílias, as
reformas não frearam o êxodo de cubanos, especialmente em direção aos EUA,
motivados pelos benefícios migratórios, como ficou em evidência com a crise
provocada no ano passado pelos emigrantes cubanos que lotaram a América
Central.
Sem
deixar sua fidelidade às causas do mundo em desenvolvimento, à esquerda e aos
parceiros "bolivarianos", Raúl Castro construiu uma política externa
mais pragmática e aberta que o aproximou, entre outros, da União Europeia,
bloco com o qual Cuba assinou no ano passado o primeiro acordo de diálogo
político e cooperação.
No
entanto, não há dúvida que a mudança mais radical na Cuba "raulista"
foi o descongelamento das relações diplomáticas com os EUA depois de mais de
cinco décadas de tensões e atritos.
No
dia 17 de dezembro de 2014, os presidentes Raúl Castro e Barack Obama
anunciaram que Cuba e EUA restabeleceriam as relações, um giro diplomático que
surpreendeu tanto a comunidade internacional como os próprios cubanos, que
receberam a notícia com otimismo e alegria, apesar de um pouco de cautela.
Desde
a data fatídica, o povo cubano, que espera com ansiedade o fim do embargo que
asfixia a econômica do país, viveu eventos impensáveis quando Fidel deixou o
poder: a reabertura da embaixada americana em Havana e uma visita de um
presidente do país inimigo à ilha em março, algo que não ocorria há 88 anos.
Atraídos
por essa imagem de "ilha proibida", milhares de americanos visitaram
Cuba, que em 2015 bateu o recorde de 3,5 milhões de turistas, um
"boom" que está fortalecendo a economia com receitas vitais em moeda
estrangeira, mas que também evidência a frágil infraestrutura do país.
Também
chegaram a Cuba empresários e investidores de todo o mundo para explorar opções
de negócios e se adiantar em relação a seus concorrentes americanos diante de
um eventual fim do embargo, apesar de a entrada de capital estrangeiro na ilha
ainda enfrentar obstáculos.
A
"nova" Cuba foi, além disso, palco de eventos impensáveis na época de
Fidel, como o histórico show do The Rolling Stones em março de 2016 ou o
desfile da marca Chanel em uma avenida central de Havana dois meses depois.
(Com agências internacionais)
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