sábado, 14 de abril de 2018

A guerra de versões sobre ataque químico que detonou novo capítulo no conflito na Síria




* * * Extraído do Portal G1 * * *

Potências ocidentais acusam o regime sírio da autoria de ataque químico na semana passada, motivação para novas operações anunciadas por Donald Trump nesta sexta-feira.


Por BBC
 

Opositores sírios, agentes humanitários e paramédicos alegam que mais de 40 pessoas foram mortas no dia 7 de abril em um suposto ataque químico em Douma, cidade controlada por rebeldes na região de Ghouta Oriental, na periferia de Damasco, a capital da Síria.

Essa foi a alegada motivação para o ataque coordenado por Estados Unidos, Reino Unido e França contra o governo do presidente sírio, Bashar al-Assad, na noite de sexta-feira.

Mas Assad usou ou não usou armas químicas?

 

A França diz ter "provas" de que esse tipo de armamento foi usado - pelo menos o gás de cloro.
O governo sírio nega a acusação, e sua principal aliada, a Rússia, diz ter "evidência irrefutável" de que o incidente foi "fabricado" com a ajuda do Reino Unido.

Por que Douma foi atacada?

 

Em fevereiro, forças leais ao presidente Bashar al-Assad lançaram um ataque em Ghouta Oriental que deixou mais de 1,7 mil civis mortos.

Em março, militares dividiram a região em três bolsões - o maior deles ao redor de Douma, onde moram de 80 mil a 150 mil pessoas.

Temendo serem derrotados, grupos rebeldes nos outros dois bolsões concordaram em ser evacuados para o norte do país.

Mas o grupo que controlava Douma, o Jaysh al-Islam, permaneceu. No dia 6 de abril, depois de negociações paralisadas com o governo, os ataques aéreos recomeçaram.





O que aconteceu no dia 7 de abril?

 

O bombardeio continuou pelo segundo dia, com dezenas de pessoas mortas ou feridas antes do suposto ataque com armas químicas.

Ativistas ligados ao Violations Documentation Center (VDC), que reúne supostos casos de violação à lei internacional, registraram dois incidentes separados de bombas lançadas pelas Forças Aéreas da Síria que conteriam substâncias tóxicas.

A primeira ocorreu aproximadamente às 16h (10h de Brasília) e atingiu uma padaria, disse o VDC.

Segundo a organização, um agente humanitário da ONG Defesa Civil Síria sentiu o cheio do gás de cloro no ar depois do ataque, mas não conseguiu determinar de onde veio.

"Posteriormente, descobrirmos os corpos das pessoas que foram sufocadas com gases tóxicos. Eles estavam em espaços fechados, buscando abrigo das bombas de barril, o que deve ter causado uma morte rápida e ninguém ouviu os gritos deles", afirmou ele.

O VDC disse que o segundo incidente ocorreu não muito longe dali, ao leste, perto da Praça dos Mártires, aproximadamente às 19h30 (13h30 de Brasília).

Às 19h45 (13h45 de Brasília), mais de 500 pessoas - a maioria mulheres e crianças - foram levados a centros médicos com sintomas que indicavam exposição a um agente químico, segundo a Defesa Civil Síria e a Sociedade Médica Americana Síria (SAMS), uma ONG que dá apoio a hospitais em áreas controladas pelos rebeldes.

Os pacientes mostravam sinais de "desconforto respiratório, cianose central (pele ou lábios azuis), espuma oral excessiva, queimaduras da córnea e odor semelhante ao cloro", informou um comunicado conjunto publicado no último domingo.

Uma mulher que morreu teve convulsões e suas pupilas estavam dilatadas.
Socorristas que atuavam na busca por feridos dos bombardeios também encontraram corpos de pessoas com espuma na boca, cianose e queimaduras nas córneas, acrescentou a nota.

A União de Assistência Médica e Organizações de Socorro (UOSSM, na sigla em inglês), que dá apoio a hospitais na áreas controladas pelos rebeldes na Síria, também disse que recebeu relatos dos dois incidentes.

Depois do primeiro ataque, as pessoas foram tratadas por dificuldades respiratórias e irritação dos olhos disse a UOSSM.

No segundo, os pacientes foram trazidos para o hospital com forte cheiro de uma substância semelhante ao cloro e apresentando sintomas que incluíam cianose, formação de espuma na boca e irritação da córnea, acrescentou.

Um estudante de medicina que trabalha em um hospital local disse à BBC que havia atendido um homem que morreu.

"Suas pupilas estavam dilatadas e ele tinha espuma na boca. Seu coração batia de forma muito lento. Ele tossia sangue em sua boca também", disse ele.

Dois vídeos divulgados pelo grupo de oposição Douma Revolution mostram o que seriam corpos de crianças, mulheres e homens encontrados em um prédio, supostamente localizado a sudoeste da Praça dos Mártires. Alguns tinham espuma saindo de suas bocas e narizes.





Quantas pessoas morreram?

A OMS (Organização Mundial da Saúde) disse que recebeu registros, por meio de parceiros locais, de "43 mortes relacionadas a sintomas consistentes com a exposição a substâncias químicas altamente tóxicas".

A Defesa Civil Síria e a SAMS disseram que equipes de resgate encontraram 42 pessoas mortas em suas casas. Uma pessoa foi declarada morta ao chegar ao hospital e outras seis morreram durante o tratamento, acrescentaram.

Em um tuíte anterior, posteriormente apagado, a Defesa Civil Síria havia estimado o número de mortos em mais de 150.

A UOSSM informou inicialmente que 70 mortes haviam sido confirmadas. Na segunda-feira, revisou o número para pelo menos 42, mas acrescentou que o saldo de mortos poderia subir.

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, um grupo de monitoramento sediado no Reino Unido, disse que os ataques aéreos ocorridos nos dias 6 e 7 de abril mataram quase 100 pessoas. A organização incluiu 21 pessoas que morreram como resultado de sufocamento, mas ressalvou que foi incapaz de identificar a causa.

O site britânico de jornalismo investigativo Bellingcat disse que havia contado pelo menos 34 corpos nos dois vídeos divulgados pela Douma Revolution.

Segundo o Bellingcat, o prédio perto da Praça dos Mártires onde os corpos foram filmados recebeu a visita de militares russos em 9 de abril.

A que as vítimas poderiam ter sido expostas?

Especialistas dizem que é impossível saber se uma pessoa foi exposta a um agente químico ao olhar para um vídeo ou foto.

A única maneira de confirmar a contaminação é coletar amostras e analisá-las em laboratório. No entanto, a ONU e outras organizações humanitárias internacionais não conseguiram entrar em Douma por causa do cerco do governo.

A Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) disse que uma missão de averiguação tem "coletado e analisado informações de todas as fontes disponíveis". O organismo multilateral havia prometido enviar uma equipe para a Síria que começaria seu trabalho neste sábado.

A Defesa Civil Síria e a SAMS dizem acreditar que as vítimas morreram sufocadas como resultado da exposição a produtos químicos tóxicos, provavelmente um organofosforado - um grupo composto associado a pesticidas e agentes nervosos.

A UOSSM também concluiu que os sintomas das vítimas eram consistentes com a exposição a um agente nervoso, possivelmente misturado com cloro.

Raphal Pitti, do escritório da UOSSM na França, disse acreditar que "o cloro foi usado para esconder o uso de Sarin", um agente nervoso.

Na última quinta-feira, 12 de abril, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que as pessoas foram expostas ao gás de cloro "pelo menos", mas não mencionou qual outro agente químico poderia estar envolvido no ataque.

Os Estados Unidos disseram que os sintomas relatados eram "consistentes com um agente de asfixia e com um agente nervoso de algum tipo".

Dois funcionários não identificados dos EUA também disseram à rede de TV americana NBC News em 12 de abril que testes de sangue e amostras de urina indicaram a presença de cloro e um agente nervoso.

O que diz o governo sírio?

O governo sírio, que negou repetidamente ter usado armas químicas, acusou os rebeldes de "fabricar" os relatos.

O representante permanente da Síria na ONU, Bashar al-Jaafari, acusou as potências ocidentais de acusar falsamente o governo de modo a "preparar o terreno para uma agressão contra o meu país, assim como os Estados Unidos e o Reino Unido fizeram no Iraque em 2003".

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse em 13 de abril que tem "provas irrefutáveis de que este foi mais um ataque, encenado com a participação de serviços especiais de um Estado que está se esforçando para estar à frente da campanha russófoba".

Lavrov evitou dizer a qual país se referia, mas o porta-voz do Ministério da Defesa da Rússia, major-general Igor Konashenkov, disse mais tarde que o Reino Unido estava "diretamente envolvido na provocação".

Ele não forneceu nenhuma prova e um diplomata britânico chamou a acusação de "bizarra" e uma "mentira descarada".

O representante permanente da Rússia na ONU, Vassily Nebenzia, disse ao Conselho de Segurança (CS) em 9 de abril que militares russos haviam visitado Douma e coletado amostras de solo que não mostravam presença de agentes nervosos ou substâncias contendo gás de cloro.

"No hospital local, ninguém foi hospitalizado com sintomas de gás sarin ou envenenamento por gás de cloro", acrescentou.

"Nenhum corpo de pessoas que morreram envenenadas foram encontradas, e a equipe médica e os moradores não tinham informações sobre onde poderiam ter sido enterrados".

Ele também observou que um ativista da oposição havia postado um vídeo supostamente mostrando uma bomba química feita de uma lata de gás amarelo encontrada em um quarto em um prédio em Douma.

Nebenzia alegou que o vídeo foi encenado, acrescentando: "A trajetória da suposta bomba é totalmente antinatural. Ela caiu do teto e aterrissou calmamente em uma cama de madeira sem danificá-la de qualquer forma. Foi claramente colocada ali".

Como a comunidade internacional reagiu?

O secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou estar indignado com os relatos em Douma e advertiu que "qualquer uso confirmado de armas químicas, por qualquer parte no conflito e sob quaisquer circunstâncias, é abominável e uma clara violação do direito internacional".

Em 9 de abril, o presidente dos EUA, Donald Trump, declarou que houve um "ataque hediondo contra inocentes sírios com armas químicas proibidas".

Dois dias depois, ele afirmou, em sua conta no Twitter, que o presidente Assad era "um animal assassino de gás". Na ocasião, também alertou que mísseis americanos "estavam a caminho", depois que a Rússia anunciou que derrubaria qualquer um dos disparos contra a Síria.

Macron prometeu que a França "removerá a capacidade química do regime", mas não "permitirá uma escalada, ou qualquer coisa que possa prejudicar a estabilidade da região".

Já a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, disse em 12 de abril que o incidente em Douma foi "um ato chocante e bárbaro" e que era "altamente provável" que o governo sírio fosse responsável.
Ela declarou ser "vital que o uso de armas químicas não passasse em branco".

Quando as armas químicas foram usadas?

Em agosto de 2013, foguetes contendo gás sarin foram disparados contra vários subúrbios controlados pela oposição no leste e oeste de Ghouta, matando centenas de pessoas.
Especialistas da ONU confirmaram que o agente químico foi usado no ataque, mas não foram instruídos a buscar culpados.

As potências ocidentais disseram que apenas forças do governo sírio poderiam ter realizado o ataque.
O presidente Assad negou a acusação, mas concordou em assinar a Convenção sobre Armas Químicas e destruir o arsenal químico declarado da Síria.

Especialistas de uma missão conjunta da ONU-OPAQ também disseram ter certeza de que as forças do governo usaram sarin em um ataque em abril de 2017 contra Khan Sheikhoun, que teria matado mais de 80 pessoas.

O presidente Assad disse que a acusação foi fabricada, mas, em retaliação, os EUA realizaram um ataque com mísseis de cruzeiro contra uma base aérea síria.

A missão da ONU-OPAQ também descobriu que as forças do governo usaram o gás de cloro como arma em pelo menos três ocasiões durante a guerra civil.

Tags: EUA, França, Guerra, G1, Reino Unido, Síria

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