* * * Extraído do
UOL * * *
Do UOL, no Rio de
Janeiro
16/07/201518h44
Morreu
na tarde desta quinta-feira, aos 88 anos e vítima de uma parada cardíaca, o
ex-jogador Alcides Ghiggia, autor do gol uruguaio que derrubou o Brasil na
final da Copa do Mundo de 1950. E quis o destino que o carrasco partisse
justamente na data que ele ajudou a tornar histórica: 16 de julho.
A
informação, que começou a circular nas redes sociais no final da tarde de
quinta, foi confirmada pelo jornal uruguaio "El Pais". Carrasco
brasileiro no "Maracanazzo", Ghiggia era o último jogador vivo que
disputara a decisão do Mundial de 50.
Alcides
Edgardo Ghiggia foi um dos melhores atacantes dos anos 40 e 50, jogando sempre
pela direita, com dribles rápidos, cortes secos e chutes colocados. Era
peça indispensável no ataque do Peñarol, onde ganhou fama a partir de 48.
Em
1957, Ghiggia se naturalizou italiano e chegou a vestir a camisa da Azzurra,
mas não conseguiu ajudar o time a se classificar para a Copa de 58, na Suécia,
onde o Brasil conquistaria seu primeiro título mundial, com Pelé ainda
adolescente.
Estrela
do Peñarol e ídolo na Itália
Depois de ganhar dois títulos nacionais com a camisa do Peñarol, o ponta
direita foi vítima do próprio temperamento, na temporada de 52, quando agrediu
um árbitro e acabou suspenso por um ano.
Cumprida
a suspensão, chegou o momento de mudança de ares para o atacante impetuoso. No
começo da temporada de 53, Ghiggia foi transferido para a Roma e, quatro anos
depois, era o capitão do time.
Pela
Roma, foi campeão do torneio que deu origem à Copa da Uefa, em 61, embora não
tivesse participado da grande final contra o Birmingham City, da
Inglaterra.
Em
oito temporadas com a camisa da Roma, Ghiggia marcou 15 gols. Mas, apesar do
talento ofensivo, o uruguaio não conseguiu conquistar o Scudetto pela Roma: sua
melhor classificação foi um terceiro lugar, na temporada de 1955.
Em
1961, Ghiggia completou 35 anos e se transferiu para o Milan. Um dos mais
velhos do time, ele ainda teria fôlego para conquistar o Scudetto daquele ano.
Com a medalha na mala, ele retornou ao Uruguai logo em seguida para vestir a
camisa do Danúbio. Jogou até os 41 anos e se aposentou em 1965.
Algoz
do Brasil, amigo dos brasileiros
Apesar da fama de algoz da seleção brasileira, o ex-atacante do Peñarol tinha
muitos amigos no Rio de Janeiro.
Ele e
outros jogadores uruguaios vinham com frequência ao Brasil e costumavam
passar dias agradáveis no sítio do craque Zizinho.
Nesses
encontros, uma regra era seguida como mandamento religioso: ninguém podia falar
de futebol. Ninguém podia mencionar a final de 1950, tida como o maior
desastre na história do esporte brasileiro: "tragédia do Maracanã",
para os brasileiros. "Maracanazo", para os uruguaios e vizinhos de
língua espanhola.
Amável
em suas lembranças, o ex-atacante era preciso na narrativa: "Ninguém
entendia como mantínhamos amizade com os brasileiros, mas era verdade. Quero
voltar ao Rio de Janeiro para ver a Copa 2014 e ver o Maracanã de novo",
desejava Ghiggia na sua entrevista em abril de 2012 ao UOL Esporte, concedida
ao repórter Bruno Freitas, no Uruguai.
"De
futebol não se falava. Se falava de outras coisas, mas de futebol, não. Quando
vinham aqui a Montevidéu, comíamos um belo assado com eles", recordou-se
Ghiggia.
O
grupo de uruguaios era pequeno. Junto com Ghiggia vinham ao Brasil o capitão
Obdulio Varela e goleiro Maspoli. O ex-atacante se lembrou que os parceiros
brasileiros no sítio de Zizinho eram o artilheiro Ademir de Menezes e o goleiro
Moacyr Barbosa.
A
crônica da época culpou o goleiro Barbosa pelo fracasso brasileiro naquela
final. Barbosa foi massacrado até sua morte em 2000. Nesse ponto, o atacante
Ghiggia se transforma em um defensor generoso.
"Estive
uma vez com o Barbosa, no Rio de Janeiro. Lamento muito o que se passou com
ele. Colocaram a culpa só nele. No futebol, quando se perde, perdem os 11.
Quando se ganha, ganham os 11. Não um só", argumentou Ghiggia.
Foi a
última entrevista concedida a um veículo brasileiro e marcada por "bons
momentos e frases secas", escreveu o repórter. Durante a conversa, Ghiggia
se revelou solidário aos torcedores, que sofreram tanto com a derrota de 1950.
Para
Ghiggia, a Copa de 2014 poderá, com uma provável vitória do Brasil, enterrar
para sempre o pesadelo vivido na romântica Rio de Janeiro. Esse era o
pensamento amigável do matador uruguaio, que marcou um gol impossível, sem
ângulo e mergulhou o Maracanã em profunda tristeza.
Neymar
é irreverente. Messi, o melhor
Ghiggia nunca se desligou do futebol. Como um velho bruxo de ataque, ele foi
chamado a comparar o argentino Messi a outros jogadores dos anos 50 e 60, durante
a conversa de abril.
"É difícil comparar o argentino a outros jogadores de meu tempo",
disse o uruguaio. "Não tenho dúvida de que ele seja o melhor do mundo
neste momento, mas me divirto também com o futebol irreverente de Neymar",
elogiou Ghiggia. "Neymar é muito hábil para jogar, é rápido pelas pontas e
não tem medo de driblar. Me diverte", disse o uruguaio.
Do
Mundial de 1950, Ghiggia guardava poucos objetos. Da final, restava uma
gravação radiofônica que descreve e eterniza a vitória contra o Brasil. A
emoção aguda o impediu de continuar saboreando aqueles momentos épicos que só
um esporte de massa pode proporcionar.
"Faz
muitos anos que passou o Mundial. Sempre que chega 16 julho penso nos
companheiros, penso nos adversários. Tenho as gravações em casa e não escuto.
Minha senhora não deixa eu escutar porque diz que me emociono. A verdade é que
passou, tive uma época dentro do futebol, contribuí com um campeonato do mundo,
e nada mais", disse o ex-atacante.
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